quinta-feira, 31 de julho de 2008

VÃO

Pelo vão incoberto de sua aura
é possível perceber
o que se passa por fora do campo
imagético de sua visão.

Sentimentos loucos, devaneios muitos,
arestas cortadas que se querem inteiras.

Deixe entrar o que lhe basta.
O que espoca em seu coração.
O que causa furor na alma
e arrepios na auréola.

O que lhe escapa não lhe serve.
Deixe-se ir.

Pelo sim,
pelo não,
existem os que ficam,
e os que se vão.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

ACIDENTAL


Dentro de casa uma lagartixa de rua.
Não daquelas que sobem pelas paredes,
quase transparentes, faxineiras e ajudantes.
Não daquelas que se equilibram no teto
e passam longe do tato.
Esta - ligeira, faceira, arteira. De rua.
Altiva, atrevida, impossível de encarar.
Entra e sai debaixo da cama, vãos de sofás, frestas abertas, esconderijos encobertos, aqui e lá.
Corro atrás dela, não tenho medo. Asco não tenho.
Quero capturá-la com minhas próprias mãos.
Sentir na pele o regozijo de um predador.
Mas não sou tão ágil, nem tão pequena.
Minha natureza não me designa tamanha estripulia.
Ela foge de mim. Parece sorrir em seus olhos semicerrados.
De relance, vejo sua cauda – cortada.
Aliás, acho que não tem cauda.
Como será sua vida lá fora?
Foge de gato, toma sol no asfalto, alvo de brincadeiras infantis.
A cauda? Certamente perdida para algum estilingue ou pedra, maldade ou acidente.
Lembro-me de uma batida de carro, quase levou-me a vida e os movimentos há dez anos atrás. Fico com dó.
Dela e de mim.
Depois me recomponho.
Ela se recompõe melhor do que eu.
Sua cauda se regenera rapidamente - daqui a pouco cresce de novo, e garanto que já nem se lembra o que lhe aconteceu.
Já eu estou aqui, ainda traumatizada por um acidente que me levou algumas coisas.
A visitante oportuna corre para outro lado da casa.
Eu não corro mais atrás dela.
Agradeço-lhe a descoberta acidental.
Meu corpo pode até não se regenerar.
Minha alma é como cauda de lagartixa.


... (...) ... (...) ... (...)

Outro dia João Gabriel levou uma lagartixa para dentro de casa. Trouxe da rua. Ela ficou lá três dias, não conseguíamos pegá-la para colocar pra fora... Dessa luta surgiu essa poesia.

domingo, 13 de julho de 2008

TUDO E NADA

Quero ser enorme, quero ser grande.
Maior que o mundo, maior que o espaço
incompleto, infinito, incorruptível, inconstante, interessante.
Quero ser grande.

Quero fazer um filme.
Quero escrever, atuar, produzir, dirigir,
determinar, destoar, sentir, chorar.
Quero fazer chorar.

Quero fugir.
Quero uma ilha deserta
incoberta, incólume, intocável, inatingível.
Quero ser inacessível.

Quero descobrir uma lei da Física.
Quero colar, descolar, acelerar, desconcertar, descompassar, descontrolar, frear.
Quero mudar.

E quero mais.

Quero ser tudo, sem ser nada.
Quero ser todos, sem ser ninguém.
Quero ir fundo, e mais além.
E não me chamem de Deus.
Amém.


... (...) ... (...) ... (...)

Esta também é antiga. Na época em que a escrevi estava começando a faculdade e queria fazer tudo ao mesmo tempo.
Bem, acho que eu não mudei muito (rs) ...
Continuo querendo muitas, muitas coisas. Só que agora já realizei um pouco do meu tudo.

sábado, 12 de julho de 2008

AFINAL

Tudo bem, eu posso até não gostar de batom ou maquiagem,
escova nos cabelos, coisa e tal.
Admito: minhas curvas, meus cachos,
minha boca carnuda são melhores ao natural.
Tudo bem, eu posso até não suportar frescuras, pormenores,
securas ou excessos, manhas, artimanhas e gestos ensaiados.
Acho até que em outra encarnação nasci macho escrachado.
Desses que escolhem a mulher pelo brilho dos olhos
pra depois pegá-la de jeito,
sem nunca antes ou depois discutir a relação.
Tudo bem, eu odeio modelos,
perfis fabricados, regras e firulas.
Às vezes pintam pra mim,
mas nunca me enquadro em tal figura.
Mas também tenho meus luxos.
Uma roupa nova, um sapato de salto, uma bolsa da moda, um brilho de paetê. Um banho quente, uma corrente de semente, um perfume secreto que só se cheira em mim.
Eu posso até matar a barata sem dar chiliques,
mas nem por isso escondo meus medos. O fato de comer frango com as mãos não dispensa o lençol de seda de uma noite especial.

Afinal, se divido as contas com você, isso não quer dizer que não espere flores ao final.

CANAL VERDE



oferecemos corpo ao vento
como os pássaros
oferecemos paz ao tempo
como as árvores
oferecemos água ao movimento
como os mares


Fiz esse texto há uns seis anos atrás. Estava me formando e entrei no projeto do Canal Verde, do Robério e do Rafa. O poema finalizava um roteiro.

Quando comecei o curso de comunicação na federal, acreditava no poder da mídia para educação e a mudança de mentes. Enfim,uma forma de contribuir para um mundo melhor. Mas no dia-a-dia eu vi que as forças da manipulação eram muito mais fortes e eu parecia uma idealista sem lugar.

O Canal Verde era uma pontinha de esperança e tinha a ver com tudo aquilo que eu acreditava. Era não. É. Depois de seis anos de batalha (na verdade mais de dez, porque o projeto já existia antes de eu entrar), as gravações começaram hoje.
Eu não pude ir, estou terminando uns freelas aqui em casa, mas de qualquer forma o roteiro é meu e isso me faz sentir um pouco presente lá.

Rafa e Robério, eu sei que daqui a pouco tudo o que a gente sonhou vai ganhar corpo. Porque, como diz Raul Seixas, sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

AUTOR CONVIDADO - ARAGÃO


Poesia pra quê?
por José Carlos Aragão

Eu, na verdade, nunca soube exatamente pra quê.

Só sei que, se Rilke me perguntasse se eu viveria sem ela (como o fez ao ao jovem poeta que lhe escrevera), eu não hesitaria em responder que não.

Encontro conforto, nessas horas de angústia e dúvida, em outros poetas que escreveram sobre a poesia e sua utilidade. Entre eles, Manoel de Barros ("a poesia é antes de tudo um inutensílio"; e Quintana ("a poesia é a invenção da verdade").Mas é bom ouvir também o que dizem Gullar, Drummond e os heterônimos de Pessoa.

E não há como não recomendar também a leitura de Nasce o poema, o último poema do livro Barulhos, de Ferreira Gullar, pra se tentar entender a angústia do poeta diante da poesia em gestação. Talvez o poema não explique pra que serve o poema ou a poesia, mas se a palavra te toca é que pra alguma coisa serviu - sabe-se lá pra quê!...


(...) ... (...) ...

Eu resolvi conversar com outros autores sobre a necessidade da poesia, para o poeta e para os leitores.

Quem estréia essa coluna (se é que se pode chamar assim) é o José Carlos Aragão, um grande escritor amigo meu, aqui de Belo Horizonte.

Mestre das letras, ele é jornalista, escritor, dramaturgo e artista plástico. Tem quase 20 livros publicados: de poesia e contos, para adultos; e de literatura e teatro, para crianças e jovens. Conquistou vários prêmios literários e seus livros encantam adultos e crianças. Vale a pena ler: 'Girafa não serve pra nada', 'O menino que engoliu o quatro' e todos os outros livros dele.

O Aragão ainda me presenteou com uma seleção de textos de poetas famosos sobre a poesia e o fazer poético, que vou publicar aqui aos poucos. Para quem quer saber mais sobre o trabalho dele, é só entrar nos blogs:
aragaoescritor.blogspot.com
aragaohumor.blogspot.com

quinta-feira, 3 de julho de 2008

NINGUÉM SABE, NINGUÉM



Em 1999 eu fazia uma matéria eletiva na faculdade de letras, à noite. Chamava-se Oficina de poesia e o professor era o Maurício Salles. Entre uma poesia e outra que a gente criava, ele propôs um dia que fizéssemos músicas com os nossos textos. Assim nasceu esta música. Eu peguei uma poesia minha, dei uma melodia, e aí pedi para o meu pai gravar com a minha irmã, que tem uma voz linda (eu infelizmente não tenho uma voz tão boa). Foi tudo de improviso e não dá para escutar direito... mas todo mundo gosta.
Até então, eu nunca tinha pensado em ser compositora, apesar de achar que as minhas poesias eram bem marcadas e ritmadas, mas depois desta música eu fiz outras.
Lá em casa todo mundo é músico- meu pai, minha irmã, meu irmão. Menos eu.
Mas no fundo o fato de eu ter crescido em meio a tantas músicas e sons me fez criar uma cultura musical que acabou desabrochando um dia.

E ninguém sabe, ninguém...
quer dizer, ninguém sabia.

terça-feira, 1 de julho de 2008

PALAVRAS


Palavras vagas
parecem nulas,
sonhos distantes,
ou pó.
São tantas falas,
que me afigura,
nada ter dito,
e só.
Palavras loucas
são atrevidas,
fogem da mente
e vão
pro mundo afora
e como agora,
deixam vazio o coração.
Palavras doces
são acalento
e como o vento
inspirarão
toda leveza,
e a beleza
sonhos vividos serão.


Hoje acordei com essa poesia na cabeça. ela é antiga, muito antiga, escrevi há uns doze anos, mas gosto bastante dela. É pura e inocente, talvez reflexo do meu pensamento na época.