
Dentro de casa uma lagartixa de rua.
Não daquelas que sobem pelas paredes,
quase transparentes, faxineiras e ajudantes.
Não daquelas que se equilibram no teto
e passam longe do tato.
Esta - ligeira, faceira, arteira. De rua.
Altiva, atrevida, impossível de encarar.
Entra e sai debaixo da cama, vãos de sofás, frestas abertas, esconderijos encobertos, aqui e lá.
Corro atrás dela, não tenho medo. Asco não tenho.
Quero capturá-la com minhas próprias mãos.
Sentir na pele o regozijo de um predador.
Mas não sou tão ágil, nem tão pequena.
Minha natureza não me designa tamanha estripulia.
Ela foge de mim. Parece sorrir em seus olhos semicerrados.
De relance, vejo sua cauda – cortada.
Aliás, acho que não tem cauda.
Como será sua vida lá fora?
Foge de gato, toma sol no asfalto, alvo de brincadeiras infantis.
A cauda? Certamente perdida para algum estilingue ou pedra, maldade ou acidente.
Lembro-me de uma batida de carro, quase levou-me a vida e os movimentos há dez anos atrás. Fico com dó.
Dela e de mim.
Depois me recomponho.
Ela se recompõe melhor do que eu.
Sua cauda se regenera rapidamente - daqui a pouco cresce de novo, e garanto que já nem se lembra o que lhe aconteceu.
Já eu estou aqui, ainda traumatizada por um acidente que me levou algumas coisas.
A visitante oportuna corre para outro lado da casa.
Eu não corro mais atrás dela.
Agradeço-lhe a descoberta acidental.
Meu corpo pode até não se regenerar.
Minha alma é como cauda de lagartixa.
... (...) ... (...) ... (...)
Outro dia João Gabriel levou uma lagartixa para dentro de casa. Trouxe da rua. Ela ficou lá três dias, não conseguíamos pegá-la para colocar pra fora... Dessa luta surgiu essa poesia.